Operation Rainfall um sucesso nos EUA. Porque não este tipo de iniciativas na Europa?

Depois de ter sido anunciado que a Europa iria receber os três grandes títulos do mercado japonês para a Wii - Xenoblade, The Last Story e Pandora's Tower -  os fãns americanos ficaram revoltados com o facto da Nintendo of America (NoA) excluir esses títulos de um eventual lançamento no seu mercado. O próprio presidente da NoA indicou, na altura, que não haviam planos para trazer sequer o mais popular título deste trio de jogos - o Xenoblade - cujas prequelas espirituais tiveram direito a tratamento especial no continente americano.

Insatisfeitos com a resposta da NoA, um grupo de fãns uniu-se e tomou uma postura mais séria, formando  assim um grupo dedicado a persuadir a NoA a lançar os três referidos títulos no mercado americano, ao qual deram o nome de Operation Rainfall. Após várias iniciativas de protesto e persuasão, os resultados foram visíveis e o mercado americano acabou por receber Xenoblade e The Last Story. Para concuir o sucesso da operação, foi recentemente anunciado que a XSeeD, uma popular empresa dedicada a publicar títulos japoneses de sucesso com particular destaque para os RPGs, irá publicar o terceiro título que ainda estava em falta: Pandora's Tower. E assim, a Operation Rainfall, que certamente teve um papel fundamental para assegurar estes lançamentos, acabou por se tornar num sucesso.

Fico satisfeito em saber que os jogadores norte-americanos terão direito a receber esta obra prima que lhes faltava nas colecções. Mas não deixo de esconder a ponta de ciúme que sinto ao assistir ao sucesso desta iniciativa, ao mesmo tempo que lamento a inexistência de posturas semelhantes no passsado da Europa, onde tantos e tantos jogos importantes, sobretudo RPGs, não tiveram a mesma felicidade de serem cá lançados.

De facto, não foi a primeira vez que a Europa recebeu tratamento VIP ao nível do lançamento dos videojogos, mas sem dúvida que o lançamento destes três títulos, antes de existir qualquer tipo de hipótese do seu lançamento no mercado norte-americano, representou um feito quase inédito. O velho continente era caracterizado por ser o mais prejudicado no que refere ao lançamento de videojogos.

Fazendo um breve historial das frequentes situações que ocorreram desde a era dos 8 bits até aos tempos mais actuais na Europa, elaborei a seguinte lista onde refiro as que considero mais importantes:
   
A Europa, na esmagadora maioria dos casos foi, quase sempre, a última região das três mais importantes do globo (ao nível dos videojogos) a receber os lançamentos. Quando algum videojogo era transportado para o ocidente, os Estados Unidos eram os privilegiados com as datas de lançamento, recebendo-os com muitos meses de antecedência. Consequentemente, as conversões PAL dos jogos baseavam-se no formato americano, ou seja, nas versões censuradas, modificadas e adulteradas pelos americanos, situações que ocorriam com extrema frequência na época. E teriamos, ainda, de contar com as eventuais censuras adicionais de paises europeus mais rigorosos na matéria dos conteúdos, como a Alemanha;
   
Nunca recebemos imensos títulos importantíssimos, considerados ainda hoje como clássicos de elevada qualidade. Aliás, acabámos por receber muitos desses títulos, mas apenas através das plataformas digitais e reedições, muito desfasados do período temporal em que o verdadeiro impacto dos mesmos se fez sentir. Aproveito o momento para referir uma pequena lista desses jogos: Earthbound (SNES), Parasite Eve 1 (PS1), WarioWare Twisted (GBA), Chrono Cross (PS1), Chrono Trigger (SNES), Super Mario RPG (SNES... sem comentários...), Radiant Historia (DS), Persona 2 (PS1), e muitos mais...
     
Imensas séries ficaram incompletas sem qualquer justificação plausível. Posso citar vários exemplos: 
          1. Nunca recebemos nenhum Final Fantasy antes do lançamento do sétimo jogo para a Playstation;
          2. O único jogo da saga principal de Suikoden que nos ficou a faltar foi o III;
          3. Apenas recebemos o episódio intermédio da trilogia de Xenosaga, e nem sequer tivemos direito ao
              lançamento do Xenogears;
          4. Recebemos alguns shooters pela metade das séries, como Raiden e Castle Shikigami;
          5. tivemos direito ao primeiro Etrian odyssey para DS mas os restantes nunca chegaram cá;
          6. O segundo título de Shin Megami Tensei: Devil Summoner nunca recebeu uma versão PAL; 
          7. A saga Grandia não teve direito ao lançamento do terceiro título por cá;
          8. Hey You Pikachu deve ser o único jogo de Pokémon que não recebemos desde que o fenómeno
              alcançou a Europa. Até títulos como Pokémon Typing e Pokémon Conquest, muito improváveis de
              chegar cá, recebemos;
          9. Tivemos direito a Persona 3, 3 FES e 4, mas nunca recebemos os originais da PS1...
        10. A saga Lunar ficou de tal maneira incompleta que o único jogo que me recordo de ter sido cá
             lançado foi o Lunar Genesis da DS. E poderia continuar com a lista por muito tempo, mas fico-me
             pela décima entrada...
  
As conversões europeias dos jogos eram, geralmente, as de inferior qualidade. Devido ao facto do sistema NTSC correr a 60 htz e ser esse o sistema preferencial para a produção de jogos, a maioria dos jogos PAL (que corre a 50 htz) eram conversões quase instantâneas das versões americanas. Consequentemente, muitos jogos correm a uma velocidade visivelmente inferior. Nalguns jogos essa questão não causava grande transtorno, mas em diversas séries como Street Fighter ou Tekken, e até mesmo Final Fantasy e Sonic, entre muitos outros, as reduções de velocidade têm um impacto - diga-se de passagem - muito significativo. Para equilibrar a dimensão das imagens devido à diferença de resoluções, as versões europeias eram também brindadas com duas barras pretas no ecrã, que ocupavam o espaço fornecido pela resolução superior do sistema PAL. Sim, as conversões chegavam a ser assim tão más.


Um dos principais motivos que levava, muitas vezes, as produtoras e publicadoras a investir menos no lançamento de videojogos no território europeu tem a ver com a especificidade dos mercados individuais que compõem a Europa, repartida em diversos países, com culturas e línguas muito diversificadas. Licenciar um videojogo em tantos mercados diferentes e ter a preocupação de os traduzir, sempre que possível, para mais do que uma língua (sobretudo em países de povos mais nacionalistas que exigem a tradução de quase tudo, como a Espanha), é uma tarefa árdua, cara e por vezes pouco lucrativa para os produtores, que optavam pelo não lançamento de muitos títulos em território PAL. Além disso, o mercado americano era (e ainda é, em alguns casos) visto como uma referência. Se um determinado título de grande qualidade não tinha as vendas esperadas (mesmo que estas não fossem baixas), acabava por não haver interesse no seu lançamento europeu por parte dos responsáveis. Claro que tudo dependia dos objectivos e das metas de cada produtora ou distribuidora, mas empresas tão exigentes como a Squaresoft, habituada a lidar com números de 6 a 7 algarismos nas vendas, encontraram muitos motivos para evitarem determinados lançamentos europeus. Em Portugal, facilmente nos satisfazíamos apenas com a língua inglesa (e ainda hoje a continuamos a preferir, devido à qualidade inferior das nossas dobragens), mas nem todos os países europeus partilham da mesma opinião. Muitas das vezes, acabam por ser os esforços e iniciativas de 3rd parties europeias a conseguir o lançamento de certos títulos no mercado europeu. Caso contrário, a lista de títulos importantes não lançados por cá teria sido ainda maior.

Deixo aqui uma pequena lista de recentes empresas, de pequena dimensão, que têm feito esforços no sentido de enriquecer o mercado europeu com títulos de qualidade, que outrora ficariam retidos noutras regiões e só os poderíamos jogar através da importação e dos convencionais meios menos legítimos de ultrapassar os bloqueios regionais:

Felizmente as coisas mudaram hoje em dia, e mesmo com as imensas falhas que o mercado europeu apresenta ainda, já tivemos direito a muitas beneces com edições limitadas exclusivas, press kits, lançamentos globais ou antecipados em relação ao resto do mundo, títulos exclusivos, consolas sem bloqueios regionais, etc etc. O cenário actual é muito distinto do cenário vivido no passado. E mesmo no passado, nem tudo era negro, pois felizmente tivemos acesso a jogos que ficaram limitados ao nosso território e ao Japão. E se eu, enquanto português, penso assim, o que pensarão tantos outros jogadores do mundo inteiro onde até as consolas têm dificuldade a chegar aos mercados?

Mas, mesmo assim, fico triste por saber que, na devida altura, tantas obras primas ficaram excluidas do nosso continente, e que escassas foram as iniciativas semelhantes ou com o mesmo sucesso que a Operation Rainfall. Hoje em dia é muito fácil importar jogos graças às maravilhas da internet, mas, antigamente, isso não era verdade. Importar jogos era uma tarefa complicada, demorada e sobretudo muito cara - pelo menos para aqueles que, de forma honesta, tentavam constituir uma colecção de jogos originais.

Pedro Dias

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Author: Pedro Dias
Coleccionador 'hardcore' e aficcionado por videojogos :)

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